Visitar Mértola, vila museu islâmica e muito mais

Mértola vista além-rio.
Aproveitando o festival islâmico, regressei a Mértola. Recordo-me que a primeira vez que vi Mértola refletida no rio Guadiana foi em 1989 regressando do Algarve. Hoje Mértola é um polo cultural e patrimonial de suma importância no Alentejo, muito por culpa do Campo Arqueológico ali fundado anos depois do 25 de Abril de 1974, e que desenterrou e trouxe à luz do dia a Vila Museu que hoje podemos admirar percorrendo as suas ruelas.

Recordo-me que nessa primeira visita ter tido como cicerone o arqueólogo Cláudio Torres, um luxo incompreendido na altura, que cativava pelo seu relato apaixonado e por deixar-nos descer a um criptopórtico ainda por musealizar.

Criptopórtico da Alcáçova de Mértola.
Hoje em dia a visita à vila pode organizar-se percorrendo os 8 polos do Museu de Mértola, e se a tua visita ocorre como a minha em fim de semana de Festival Islâmico, então tens o plano de viagem perfeito.

A pacata vila ganha uma animado "souk" durante os dias do festival, instalado nas ruelas da medina, no qual se pode encontrar uma variedade de produtos, levando-nos mesmo a acreditar que estamos em pleno Magrebe. Chás, artigos de couro, tecidos, metais, cristais, cheiros e sabores que criam a verdadeira essência da Mértola islâmica.

Entrando na medina pela Porta de Beja, junto à antiga prisão novecentista, a primeira paragem obrigatória será o posto de turismo e a Casa Alentejana anexa. Logo ali ao lado a Oficina de Tecelagem, cooperativa de tecelãs que mantém viva a elaboração de peças tradicionais alentejanas inspiradas em motivos berberes. A própria oficina é um museu sobre esta arte.

Interior da igreja-mesquita de Mértola.
Desde esse ponto é perder-se na medina indo ao encontro dos outros espaços patrimoniais. Subindo a rua encontramos a igreja-mesquita, verdadeiro ex-líbris de Mértola. Construído no sec. XII como mesquita almóada sobre uma antiga casa senhorial visigoda, da qual pode proceder algumas peças ainda visíveis no templo. O que vemos hoje é uma igreja manuelina na qual se identifica o seu passado islâmico. No exterior os contrafortes cilíndricos e os merlões chanfrados denunciam a intervenção quinhentista. Cruzando o portal renascentista acedemos ao interior de abobadas de cruzaria de ogivas sustentadas por colunas com capiteis e onde o atual altar-mor ocupava o recuperado mirabe da antiga mesquita onde ainda são visíveis alguns arcos cegos polilobados que o decoravam.

Seguindo em direção ao castelo encontramos a alcáçova, espaço escavado que apresenta extratos do cemitério medieval, anterior bairro islâmico, anterior espaço palaciano visigodo com o impressionante batistério e o anterior possível fórum romano e o seu criptopórtico. Este é um espaço arqueológico de múltiplas camadas ainda não escavado por completo e em cuja entrada está recriada uma residência muçulmana.

No alto da vila o Castelo medieval (sec. X/XII/XIV), guardado pela estátua equestre de Ibn Qasi, rei da taifa de Mértola no século XII, apresenta sobre a porta de entrada um espaço de exposições temporárias e no interior da torre de menagem um núcleo sobre a ocupação visigoda e outro sobre a Ordem de Santiago, aqui sedeada no sec. XIII.

Iniciamos a descida até ao rio e indo ao encontro dos outros polos do museu: a forja do ferreiro, pequeno espaço que ocupa uma antiga oficina e onde se conservam as ferramentas que permitiam o trabalhos dos metais em uso até ao sec. XX; o de arte sacra, instalado na igreja da Misericórdia (sec. XVI) sobre a porta do rio e em frente dos restos da torre albarrã que penetra no Guadiana. Também no largo, e ao lado do Centro de Estudos Islâmicos e do Mediterrâneo, o polo de Arte Islâmica, considerado o mais importante museu do seu género em Portugal, instalado nos antigos celeiros do ducado de Bragança e onde destaca a exposição de cerâmicas recolhidas nas escavações na vila.

Aspecto do souk durante o Festival Islâmico de Mértola.
Seguindo pelo caminho do adarve, paralelo ao rio, chegamos à praça Luís de Camões, onde na cave dos Paços do Concelho, está instalado o polo Romano, resultado da intervenção arqueológica que permitiu identificar uma residência romana, à qual se juntam outras peças da época encontradas na vila.

Toca subir as ruas estreitas e íngremes, perder-se e deixar-se levar pela alvura da vila... e terminar no mercado, refrescando-se "na mais bela esplanada de Mértola", sem dúvida!

Outro dos espaços recentes que merecem a visita, e que pode ser uma ótima opção de alojamento, é o Hotel Museu, junto ao rio, cujas obras puseram a descoberto um bairro islâmico e armazém romano.

A oferta hoteleira e de restauração é bastante variada na vila, e aproveitando o fim de semana, não se pode abandonar a zona sem um mergulho da praia fluvial da Mina de S. Domingos, com bandeira azul incluída!

Para o fim deixo o espaço que desde sempre mais me cativou a Basílica Paleocristã, espaço arqueológico datado do sec. V a VIII, instalada numa colina fronteira à medina.

E claro há também o Pulo do Lobo e toda a zona rural do concelho, a maioria do qual englobado no Parque Natural do Vale do Guadiana.

Mértola é um exemplo de como o património pode definir o futuro de localidades desertas e contrariar o abandono do interior, passando a ser um centro de atração para os turistas do vizinho Algarve, tanto mais se se potenciasse a navegação do rio Guadiana desde a sua foz.

Igreja de N. Sra. Anunciação, antiga mesquita, Mértola.

O rio Guadiana e a medina vista desde o castelo, Mértola.

Polo Romano do Museu de Mértola.

Basílica Paleocristã, Mértola.

Praia Fluvial das Minas de S. Domingos, Mértola.

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