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Ponte da Ajuda, Elvas. |
Em Elvas há tradições curiosas que ligam esta época de final de Quaresma e inicio de Páscoa com a gastronomia. Por todo o Alentejo o borrego é senhor das mesas pascais. Sobretudo se se come no campo, rodeados pelos alvores da primavera. “Rebolar o vale” era, e ainda é, uma atividade familiar. Mais que uma celebração, religiosa festeja-se o fim da época das chuvas e o inicio da estação da renovação da natureza. Na zona de Elvas “rebola-se” na zona da Ajuda, junto ao rio Guadiana, ou na barragem do rio Caia, mantendo assim uma tradição e celebrando a alegria, mais que pascoal, da reunião de amigos.
Contudo as minhas memórias de infância levam-me a recordar o domingo de Páscoa, ou mesmo no de Pascoela, a caminho da albufeira das Pias. Era todo um acontecimento familiar, dado que não dispúnhamos de viatura própria e tínhamos que levar tudo o necessário para passar um dia no campo. Incluindo, se fosse o caso o assado de borrego. A escolha da albufeira das Pias era pela sua proximidade aliada à existência do espelho de água que compunha o quadro perfeito para esta celebração primaveril.
E claro ia também o “lagarto”. Tudo tinha o seu ritual.
No domingo antes da Páscoa, chamado de Ramos, e após a bênção do ramo de alecrim no átrio da igreja, tinha lugar a peregrinação de oferecer um raminho ao padrinho, e aos que encontrasse pelo caminho, pedindo as amêndoas. “Verde é verde cheira, fica preso até quinta-feira”, assim rezava a ladainha que se ia declamando ao colocar na lapela do interlocutor o raminho de alecrim.
E claro, na quinta-feira santa, lá estava o “lagarto” à minha espera. Este “lagarto” não é mais que o tradicional bolo finto elaborado com farinha, banha, ovos, leite e claro a erva-doce para aromatizar. A forma de lagarto com uma fitinha ao pescoço e um ovo cozido na boca, é uma tradição ancestral de representação da fertilidade masculina que se manteve ao longo dos tempos, celebrando o despertar da natureza do seu sono invernal. Ainda que a igreja católica ocupasse as festas pagãs com as suas principais festas religiosas, o povo manteve, mantém, a tradição dessas festas cristianizadas através de seculares tradições.
Não sei ao certo se a minha distribuição de raminhos de alecrim era realmente efetiva, mas ainda nessa quinta-feira santa, e depois de receber o bolo finto e algumas amêndoas de familiares, havia ainda a recolha noturna. Essa recolha era feita pelas ruas do centro histórico onde os conhecidos dos meus familiares me as iam oferecendo. O curioso é que todos eles trajavam de negro e como banda sonora soava uma matraca comandando o andamento de um cordão humano que percorria todo o centro histórico e a maioria das suas igrejas com um mandato concreto... Para mim esse mandato era ir recolhendo as amêndoas que tinham ficado encarregues de ofertar-me desde que os prendi com o meu raminho de alecrim.
Inicia-se a primavera, renovam-se vontades e quem sabe mais logo num qualquer supermercado encontro e ofereço-me o meu lagarto!
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