A Corujeira

Pormenor da capela de S. João da Corujeira, Elvas.
Se atendermos ao dicionário a Corujeira é “povoação pequena, em lugar penhascoso”, mas para os elvenses este é um bairro dentro do centro histórico.
Saindo de casa da minha avó, passando pelos Terceiros, em direção ao Castelo havia que passar por esta zona, que hoje é uma das mais ricas em termos de património.

A própria estrutura da muralha abaluartada tem nesta zona características exclusivas na arquitetura militar nacional. O grande declive que ali se encontra vai obrigar o pai das muralhas seiscentistas de Elvas, Joannes Cieremans, a estudar alternativas para vencer este acidente geográfico. A edificação deste meio baluarte vai levá-lo a recorrer à construção em socalcos e patamares que permitissem a sua utilização pela artilharia. Se outras edificações castrenses em Elvas são joias, esta solução não o é em menor escala, pois representa o engenho da adaptação matemática às características do terreno, que permitiram defender a cidade na zona mais exposta ao inimigo.

Infelizmente os dois terraços inferiores encontram-se vedados ao público, pois são de domínio privado, e onde existiram hortas e animais até há pouco tempo atrás, e dos quais saíram algumas saladas que comi à mesa da minha avó. O nível superior deste meio baluarte da Corujeira alberga o Cemitério dos Ingleses. Este é reconhecidamente um local que desperta o interesse daqueles que visitam esta cidade-quartel.

O espaço acolhe as 4 sepulturas dos oficiais ingleses que deram a vida durante a Batalha de La Albuera, em 1812, aos quais se juntou posteriormente a da esposa de um deles. Estes militares pertenciam às tropas comandadas pelo marechal Beresford, que dirigia o contingente aliado britânico, espanhol e português  que se enfrentou vitoriosamente às tropas francesas de Soult, e que achariam na Praça-Forte de Elvas um espaço digno para o seu sepulcro, integrados na muralha que aponta em direção a La Albuera.

Hoje este espaço é um recanto ajardinado, que em conjunto com a capela de S. Joãozinho, recuperaram vida graças a uma associação de britânicos residentes na região. Recordo-me dos relatos da minha avó que contava como nas noites de S. João ali se faziam animados mastros em contraponto aos livros que testemunham a origem da capela atribuída aos Cavaleiros de Malta, que tiveram um papel crucial no auxílio ao rei D. Sancho II na conquista de Elvas. Dessa memória resta apenas uma cruz da Ordem de Malta na fachada novecentista da capela.
A pequena capela é ainda mais diminuta se a compararmos à vizinha igreja da Ordem Terceira de S. Francisco.

Mas há que seguir subindo a rua e encontrar os quartéis da Corujeira. São dois núcleos de edificações desta tipologia de aquartelamento que nos chegou até hoje, dos muitos que existiram dentro das muralhas da cidade. Aqueles que se situam na íngreme rua dos Quartéis da Corujeira serão porventura dos mais antigos exemplares de habitação destinados a albergar militares que existam em território luso, datados do sec. XVII. Até aos inícios deste século estas exíguas habitações ainda serviam de teto a famílias de baixos rendimentos e podem ser seguramente transformadas num foco turístico importante para a cidade património mundial se atendermos à sua singularidade e soubermos respeitar as memórias destas casas, que ainda ostentam as armas reais portuguesas.  O segundo núcleo, mais pequeno, está  no beco de Sta. Justa, enfrentado aos primeiros.

Esta Corujeira é um conjunto de património militar e religioso que deve ser (re)visitado por todos nós. E se for numa noite de outono seguramente ouvirão o canto das corujas, que nos meus tempos de meninice me fizeram sair correndo, amedrontado, caminho de casa de minha avó.


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