A caminho da Conceição

Capela de Nossa Senhora da Conceição, Elvas.


Corriam os anos 80 do século passado e a 8 de dezembro a tradição familiar era peregrinar até à Porta da Esquina. Recordo-me que me vestiam com as melhores roupas domingueiras e depois de almoço lá íamos a caminho da Capela de Nossa Senhora da Conceição. Para mim era um acontecimento entre o festivo e o cansaço de parar e ter que cumprimentar todos aqueles conhecidos e familiares com os quais nos cruzávamos no caminho. Um pequeno inferno...

Eram naturalmente dias de frio, de agasalhos, e às vezes de chuva, contudo era sempre obrigatório fazer esta visita. Para a minha avó era a comemoração do dia da mãe, e não aquele dia estranho a princípios de maio. Como tal, e se não tivesse havido almoço familiar, tocava depois passar pela casa da avó para cumprimentá-la.

O dogma que reconhece a falta de pecado original de Maria, que esteve muito em moda nas cortes europeias seiscentistas, e na qual a Casa de Bragança se reconhecerá e promoverá a devoção à Imaculada Conceição, estará certamente na origem da capela elvense.

Em 1646 o rei D. João IV, em agradecimento à Virgem Maria de Vila Viçosa pela salvaguarda da nacionalidade portuguesa, consagra-lhe o reino e senhorios de Portugal, entregando-lhe simbolicamente a coroa de Portugal. Desde esse dia, conta a tradição, que os reis lusos não voltaram a cingir a coroa real. Ainda dentro desta devoção à Imaculada, o Restaurador vai decretar que em todas as cidades se coloque uma lápida votiva e dedicatória do povo do reino à Imaculada Conceição da Virgem Maria. Por ventura desse mandato real se iniciará em Elvas a construção desta capela sobre a porta da fortificação de Ian Ciersman.

A imagem da minha infância nas visitas à capela passa pela cor azul. Eu, pequeno, entre uma multidão que enchia o espaço exíguo da capela, rodeado de guarda-chuvas e terços num fundo azul.

Esse azul vem da cor da pintura das suas paredes e dos azulejos avulso, que na remodelação do sec. XVIII foram preenchendo os vazios do interior do corredor de acesso à capela. Estes azulejos, ditos de figura a avulsa, pois não compõe um padrão ou gravura, são originários da Real Fábrica de Louça do Rato em Lisboa. Servem de composição e adorno, para dar ainda maior importância e significado, ao painel das armas reais que coroa esta zona da capela. Também na fachada principal se pode observar outra composição de azulejos com as armas reais, num trabalho dos finais do sec. XIX . Do memso período são os azulejos que decoram a escadaria e alpendre desta capela, num estilo diferente dos anteriores. São peças enquadradas dentro do estilo neoclássico e atribuídas a Francisco de Paula e Oliveira, possivelmente o melhor pintor de azulejos à época e do qual afortunadamente existem estas peças na Cidade-Quartel de Elvas, Património Mundial.

Os anos passam, mas ainda restam os que mantêm dita tradição, cada vez em menor número. As peregrinações já não obedecem a tradições religiosas, mas a outras convenções sociais e económicas. A capela deixou de ser para mim um centro de romagem para os dias 8 de dezembro, e por ela passo a miúdo nos meus roteiros, aproveitando as vistas desde o miradouro adjunto sobre as muralhas e o aqueduto. Se houve um tempo recente em que passear por ali era de evitar, hoje a zona das Portas da Esquina é certamente um dos recantos mais bonitos do centro histórico de Elvas, sobretudo a visão da fachada exterior à Porta da Esquina com o revestimento de mármore.

Se tiveres um tempo livre faz uma peregrinação pessoal e patrimonial à Capela da Conceição.

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